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abolir a carne: espécies animais tem direitos?

27 jun

abolition.indd Como humanos, somos omnívoros, nos alimentamos de “tudo”, de vegetais a animais. Mas nossa dieta, desde tempos imemoriais, esteve crescentemente dependente de uma dieta centralmente carnívora. Há um movimento intelectual que discute o especismo, Nós, humanos, somos uma espécie animal, somos o homo sapiens. Os bois são a espécie Bos taurus. Onde se estabelece o direito da espéce homo sapiens sobre a Bos taurus?. Somos a única espécie que mantém fazendas com espécies para engorda, matança e posterior venda. Submetemos diversas espécies para crescerem em série, com injeções de hormônios das gordas aves congeladas que compramos nos supermercados. A tese de um interessante livro (baixe aqui – em francês) defende que devemos trabalhar para a proibição legal da produção e do consumo de carne animal. É algo necessário que a discussão começe uma revolução nas atitudes ou a organização de nossas sociedades. "Não devemos maltratar ou matar animais sem necessidade". Mundialmente, o consumo de alimentos de origem animal é a principal razão pela qual os seres humanos maltratam e matam animais sem necessidade. As mudanças espontâneas no comportamento do consumidor não são a força suficiente para impedir a matança. Para pôr fim à terrível destino reservado para os animais consumidos, é necessário que o assunto seja (muito) político. Trata-se de pôr em marcha um processo que culminará com a adoção de leis que proíbam a predação (caça, pesca) e produção (criação) de animais para consumo humano.

A lição de sabedoria das vacas loucas

3 jan

Por Claude Lévi-Strauss
Traduzido do francês por Nádia Farage

Para os ameríndios e para a maior parte dos povos que por longo tempo permaneceram sem escrita, o tempo dos mitos foi aquele em que homens e animais não eram realmente distintos uns dos outros e podiam se comunicar entre si. Tomar como início dos tempos históricos a Torre de Babel, quando os homens perderam o uso de uma língua comum e deixaram de se compreender, pareceria àqueles povos uma visão singularmente estreita. Do seu ponto de vista, o fim da harmonia primitiva se produziu num âmbito muito mais vasto: atingiu não apenas os humanos, mas todos os viventes.

Pode-se dizer que, ainda hoje, temos certa consciência daquela solidariedade primeira entre todas as formas de vida. Buscamos imprimir o sentimento dessa continuidade no espírito de nossas crianças desde cedo: nós as cercamos de simulacros de animais em borracha ou em pelúcia, e os primeiros livros de figuras que colocamos sob seus olhos lhes mostram o urso, o elefante, o cavalo, o asno, o cão, o gato, a galinha, o rato, o coelho etc muito antes que elas os deparem realmente, como se devêssemos dar-lhes, desde a mais tenra idade, a nostalgia de uma unidade que logo saberão rompida.

Não surpreende que o ato de matar seres vivos para se alimentar proponha aos humanos, conscientemente ou não, um problema filosófico — problema que todas as sociedades tentam resolver. O Antigo Testamento fez dele uma consequência direta da queda: no jardim do Éden, Adão e Eva se alimentavam apenas de ervas e frutos; foi a partir de Noé que o homem se tornou carnívoro (Gênesis, 1:29 e 9:3). É significativo que a ruptura entre o gênero humano e os outros animais preceda imediatamente a história da Torre de Babel — ou seja, a separação dos homens uns dos outros — como se esta fosse uma consequência ou um caso particular daquela.

Tal concepção fez da alimentação carnívora uma espécie de enriquecimento do regime vegetariano, ao passo que certos povos sem escrita vêem nela uma forma de canibalismo um pouco atenuada. Eles humanizam a relação entre o caçador (ou o pescador) e sua presa, concebendo-a sob o modelo de uma relação de parentesco: entre aliados por casamento ou, mais diretamente, entre cônjuges (assimilação facilitada por outra relação: aquela, feita em todas as línguas do mundo, entre o ato de comer e o ato de copular). A caça e a pesca se afiguram assim como uma espécie de endocanibalismo. Outros povos — talvez até os mesmos — julgam que a quantidade devida existente no universo deve estar sempre equilibrada. O caçador ou pescador que lhe desconte uma fração deverá, por assim dizer, reembolsá-la, a bem de sua própria esperança de vida. Essa é outra maneira de ver na alimentação carnívora uma forma de canibalismo — no caso, autocanibalismo, porque, nessa concepção, come-se a si mesmo na crença de se comer um outro.

Há alguns anos, por ocasião da epidemia da vaca louca, que ainda não era o que viria a se tornar, explanei aos leitores do La Repubblica ("Siamo tutti canibali", 10-11/10/1993) que as patologias afins de que vez por outra o homem é vítima — o kuru, distúrbio neurológico causado por ingestão de cérebros dos mortos em rituais na Nova Guiné, e a doença de Creutzfeldt-Jacob, resultante da administração de extratos de cérebro humano para curar distúrbios do crescimento – estão ligadas a práticas decorrentes do canibalismo, de modo que é preciso alargar a noção para poder incluir todas essas doenças.

E eis que agora nos informam que a doença da mesma família que afeta as vacas em vários países europeus (e que oferece risco mortal ao consumidor) é transmitida pelos farelos de origem bovina com que se alimentam os animais. Ela resultou, portanto, da ação humana de transformar estes em canibais, sob um modelo que de resto não é sem precedente na história. Segundo textos da época, durante as guerras religiosas que ensanguentaram a França no século XVI os parisienses esfaimados se viram constrangidos a se alimentar de pão à base de farinha de ossos humanos, retirados das catacumbas e moídos.

O vínculo entre alimentação carnívora e um canibalismo ampliado tem conotação talvez universal e, assim, raízes muito profundas no pensamento. Ele vem ao primeiro plano com a epidemia das vacas loucas, uma vez que ao pavor de contrair uma doença letal se soma o horror que tradicionalmente nos inspira o canibalismo, ora extensivo aos bovinos. Condicionados desde a primeira infância, decerto permanecemos carnívoros e buscamos carnes substitutivas. Não é de menos, portanto, que o consumo de carne tenha diminuído de forma espetacular: bem antes desses eventos, quantos de nós passaríamos diante de um açougue e experimentaríamos mal-estar ao vê-lo sob a ótica antecipada dos séculos vindouros? Pois dia virá em que a ideia de que os homens do passado criavam e massacravam seres vivos para se alimentar, e complacentemente expunham sua carne aos pedaços em vitrines, inspirará a mesma repulsa que os repastos canibais dos selvagens da América, da Oceania e da África despertavam nos viajantes dos séculos XVI e XVII.

A crescente voga de movimentos em defesa dos animais atesta que percebemos, cada vez mais nitidamente, a contradição que se encerra em nossos costumes entre a unidade da criação, tal como ainda se manifestava à entrada da arca de Noé, e a sua negação pelo próprio Criador, à saída.

Provavelmente, Auguste Comte está entre os filósofos que mais se ocuparam do problema das relações entre o homem e o animal. Ele o fez mediante uma concepção que os comentaristas preferiram desprezar, pondo-a na conta das extravagâncias a que frequentemente se entregava aquele grande gênio. Não obstante, merece que nela nos detenhamos.

Comte divide os animais em três categorias. Na primeira, inclui aqueles que de algum modo apresentam perigo ao homem e propõe simplesmente a sua aniquilação. Na segunda, ele reúne as espécies protegidas e criadas pelo homem para delas se alimentar: bovinos, suínos, ovinos etc. Após milênios transformando-os tão profundamente, de fato não poderíamos mais considerá-los animais: seriam antes "laboratórios nutritivos" onde se elaboram os compostos orgânicos necessários à nossa subsistência. Se Comte exclui da animalidade essa segunda categoria, integra à humanidade a terceira. Nesta agrupa as espécies sociáveis, em que encontramos nossos companheiros e nossos ativos auxiliares — animais cuja "inferioridade mental tem sido muito exagerada". Alguns, como o cão e o gato, são carnívoros. Outros, dada a sua natureza de herbívoros, não têm um nível intelectual que os faça utilizáveis. Comte preconiza torná-los carnívoros, coisa nada impossível a seus olhos, haja vista que na Noruega costumava-se alimentar o gado com peixe seco quando faltava forragem.

Assim, certos herbívoros seriam elevados ao mais alto grau da perfeição cabível à natureza animal. Tornados mais ativos e inteligentes por seu novo regime alimentar, seriam mais facilmente levados a se devotar a seus mestres como servidores da humanidade. Poderíamos confiar-lhes a vigilância das fontes de energia e das máquinas, de forma a deixar os homens disponíveis para tarefas mais importantes. Utopia, reconhece Comte, mas não mais do que a transmutação dos metais, que se encontra na origem da química moderna. Ao aplicar a ideia de transmutação aos animais, ele não faz mais do que estender a utopia da ordem material à ordem vital.

Antigos de século e meio, tais pontos de vista são proféticos sob vários aspectos, e sob outros manifestam um caráter paradoxal. É bem verdade que o homem provoca, direta ou indiretamente, a desaparição de inúmeras espécies, e que, por isso, outras tantas estão gravemente ameaçadas — que se pense nos ursos, lobos, tigres, rinocerontes, elefantes, baleias etc, bem como nas espécies de insetos e de outros invertebrados aniquilados a cada dia em consequência das degradações infligidas pelo homem ao meio ambiente.

Profética a um ponto que Comte não poderia imaginar é a sua visão daqueles animais que são impiedosamente reduzidos à condição de laboratórios nutritivos — visão da qual nos oferecem a mais horrível ilustração as atuais criações intensivas de vitelos, porcos e galinhas. Igualmente profética é a ideia de que os animais que formam a terceira categoria se tornarão ativos colaboradores do homem, como atestam as missões cada vez mais diversificadas que são confiadas aos cães-guia, o recurso a macacos especialmente treinados na assistência aos deficientes, as esperanças depositadas nos golfinhos.

A transmutação de herbívoros em carnívoros também é profética – como o evidencia o drama das vacas loucas, embora nesse caso as coisas não tenham se passado do modo previsto por Comte. Primeiro, porque tal transformação talvez não seja tão original quanto se crê: pode-se sustentar que os ruminantes não são verdadeiramente herbívoros na medida em que se alimentam sobretudo de micro organismos que, estes sim, se alimentam de vegetais por meio da fermentação num estômago especialmente adaptado. Segundo, porque a transformação não foi obtida em benefício dos ativos auxiliares do homem, mas em detrimento dos animais qualificados por Comte como laboratórios nutritivos — erro fatal, já que, como ele próprio alertou, "o excesso de animalidade lhes será prejudicial". Prejudicial não apenas a eles, mas também a nós: ao lhes conferirmos um excesso de animalidade (convertendo-os antes em canibais que em carnívoros) não estaríamos involuntariamente transformando nossos "laboratórios nutritivos" em laboratórios mortíferos?

A doença da vaca louca ainda não atingiu todos os países. A Itália, creio, está indene até o momento e talvez assim permaneça, seja porque a epidemia se autoconterá, como predizem os especialistas britânicos, seja porque se descobrirão vacinas ou curas, seja ainda porque uma rigorosa política sanitária garantirá a saúde dos animais destinados ao abate. Entretanto, outros cenários são concebíveis.

Contrariamente às idéias correntes, suspeita-se que a doença possa transpor as fronteiras biológicas entre as espécies. Atingindo todos os animais de que nos alimentamos, ela se instalaria permanentemente entre os males nascidos da civilização industrial e que comprometem cada vez mais gravemente a satisfação das necessidades de todos os seres vivos. Já não respiramos um ar que não seja poluído. Igualmente poluída, a água não é mais aquele bem que se podia crer ilimitado: nós a sabemos contada, tanto para a agricultura quanto para o uso doméstico. Após o surgimento da aids, as relações sexuais comportam um risco fatal. Todos esses fenômenos transtornam e transtornarão profundamente as condições de vida da humanidade, anunciando uma nova era em que terá lugar, como simples decorrência, esse outro perigo mortal apresentado pela alimentação carnívora.

Mas esse não é o único fator que poderá constranger o homem a evitar tal alimentação: num mundo em que a população global provavelmente terá dobrado em menos de um século, o gado e outros animais de criação se tornarão temíveis concorrentes do homem. Calcula-se que nos Estados Unidos dois terços da produção de cereais se destinam a alimentá-los. E não nos esqueçamos de que esses animais, em forma de carne, nos fornecem um número de calorias bem inferior àquele que consumiram no curso de suas vidas (no caso da galinha, segundo me disseram, um quinto).

Uma população humana em expansão rapidamente necessitará de toda a quantidade atual da produção de grãos para sobreviver, de modo que nada restará para o gado e os animais de criação. Em consequência, todos os humanos deverão calcar seu regime alimentar naquele dos indianos e dos chineses, em que a carne animal cobre uma parte muito pequena da necessidade de proteínas e calorias. Será preciso talvez renunciar completamente a ela, porque à medida que a população aumenta há diminuição da superfície das terras cultiváveis (sob o efeito da erosão e da urbanização), das reservas de hidrocarbonetos e dos recursos hídricos.

Em contrapartida, os especialistas estimam que se a humanidade se tornasse integralmente vegetariana as superfícies hoje cultivadas poderiam alimentar uma população em dobro. É notório que nas sociedades ocidentais o consumo de carne vem diminuindo espontaneamente, como se o seu regime alimentar já começasse a mudar. Ao desviar os consumidores da carne, a epidemia da vaca louca não faz mais do que acelerar uma evolução já em curso. Ela apenas acrescenta um componente místico, gerado pelo sentimento difuso que nossa espécie expia por haver contrafeito a ordem natural.

Ainda que a encefalopatia esponjiforme (nome científico da doença da vaca louca e congêneres) se instale de forma duradoura, supomos que o apetite de carne não desaparecerá na mesma proporção. Mas sua satisfação se tornará uma ocasião rara, cara e cheia de riscos (o Japão experimenta algo parecido com o fugu, peixe tetraodontídeo de sabor delicado que se imperfeitamente limpo pode ser um veneno letal).

A carne figurará no cardápio em circunstâncias excepcionais, e será consumida com a mesma mistura de reverência piedosa e ansiedade que, segundo os antigos viajantes, impregnava o repasto canibal de alguns povos. Em ambos os casos, trata-se ao mesmo tempo da comunhão com os ancestrais e da arriscada e perigosa incorporação da substância de seres vivos que foram ou se tornam inimigos.

Os agrônomos serão encarregados de aumentar o teor de proteína das plantas alimentares, e os químicos de produzir proteínas sintéticas em quantidade industrial. Não mais lucrativa, a criação terá desaparecido completamente. Comprada em lojas de luxo, a carne provirá somente da caça. Nossos antigos rebanhos, abandonados, serão caça como outra qualquer em um campo entregue à selvageria.

Não se pode afirmar que a expansão de uma civilização que se pretende mundial uniformizará o planeta. Amontoando-se como hoje em megalópoles tão grandes quanto regiões inteiras, uma população terá evacuado outros espaços. Definitivamente abandonados por seus habitantes, tais espaços retornarão às suas condições arcaicas: aqui e ali surgirão as mais estranhas formas de vida. Em vez de caminhar em direção à uniformidade, a evolução da humanidade acentuará os contrastes, criando o novo e restabelecendo o reino da diversidade. Romper hábitos milenares — essa é talvez a lição de sabedoria que um dia haveremos de aprender com as vacas loucas.

Nádia Farage é antropóloga e diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

Notas

Este artigo foi publicado originalmente em Études Rurales, nº 157-58, 2001, pp. 9- 14. A tradução para o português foi originalmente publicada na revista Novos Estudos, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, edição 70, de novembro de 2004.

publicado em http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=46&id=546

Observatoire Cidil des Habitudes Alimentaires

4 mar

Mars 2006
Rendez-vous sur http://www.lemangeur-ocha.com

SPECIAL RELIGIONS ET ALIMENTATION

Du sacrifice à l’esprit des blés à la demande hâlal en restauration scolaire : le colloque passionnant de l’AFSR [Partenariats]

Aïda Kanafani-Zahar, Séverine Mathieu et Sophie Nizard, organisatrices de ce colloque de l’Association française de sciences sociales des religions, qui s’est tenu les 6 et 7 février à Paris en partenariat avec le CNRS et l’OCHA, ont voulu explorer plus particulièrement les liens entre religions et alimentation dans les sociétés contemporaines.

En effet, dans ce contexte de modernité, les normes religieuses ne s’imposent plus de la même manière et peuvent être interrogées voire transgressées, tout en continuant de façonner les sociétés. Elles contribuent à instituer un ordre social, produisent du lien et délimitent des frontières.

Frontières : une notion centrale qui renvoie à la figure de l’autre et à ses propres normes, l’autre défini comme celui qui mange autrement, qui suscite la curiosité, qui introduit le changement, les emprunts, et permet le métissage. Dans des sociétés de pluralité religieuse et de mobilité, l’alimentation représente souvent un marqueur d’identité, parfois l’un des derniers liens au religieux dans les processus de sécularisation. Porteuses de la mémoire des groupes et de leur continuité, vecteurs et objets de transmission, les nourritures permettent la construction des individus et leur inscription dans la société.

Ont été abordées enfin les régulations publiques/politiques des spécificités alimentaires d’ordre religieux : comment l’Etat et les autres institutions publiques interviennent-ils en matière d’abattage rituel, de régimes alimentaires religieux dans les cantines scolaires, à l’armée, dans les prisons, à l’hôpital ? Comment le droit des sociétés laïques est-il travaillé par de telles considérations ? Comment les institutions religieuses et les individus s’inscrivent-ils dans de telles sociétés ?

Les animaux non mangeables pour le judaïsme

Un ouvrage fondamental de Mary Douglas lu par Jean-Pierre Corbeau, presque une enquête policière
Jean-Pierre Corbeau a lu L’anthropologue et la Bible, couronnement provisoire de la carrière de Mary Douglas dont on connaît notamment Le pur et l’impur et Comment pensent les institutions. Une carrière bien remplie au terme de laquelle cette très grande dame de l’anthropologie constate que les animaux interdits à la consommation alimentaire dans l’Ancien Testament jouent un rôle beaucoup plus important qu’elle ne l’imaginait.

Une illustration remarquable de ces savoirs collectifs d’où découlent des normes de conduite sociale qui paraissent opaques et obscures et qui sont fondées sur quelque chose qui a à voir avec une certaine vision de l’ordre du monde propre à une culture.

Une analyse brillante et passionnante qui décode des logiques, des rationalités qui s’enracinent dans les représentations et l’imaginaire d’une culture. Jean-Pierre Corbeau, qui nous dépeint Mary Douglas en Miss Marple de l’anthropologie, nous donne vraiment envie de lire cet ouvrage …