Estes documentos heteróclitos são, para o antropólogo, o resultado e testemunho de uma experiência coerente: progressivamente, a sociedade onde viveu tornou-se-lhe familiar, aprendeu a comportar-se e apercebeu-se do que há a ter em conta nela, pôde antecipar as respostas adequadas às perguntas, reconheceu o humor ou a gravidade numa conversa, a ternura ou a frieza dum gesto, riu e chorou com seus anfitriões. Possui, então, um saber intuitivo que lhe permite compreender os documentos que reuniu e situá-los uns em relação aos outros.
É, de qualquer modo, uma aposta o facto de condensar num livro, que se pode ler em algumas horas, uma experiência de vários anos, sem equivalente na vida da maior parte dos leitores. A esta dificuldade inicial acrescentam os antropólogos uma outra, pretendendo que seus trabalhos etnográficos não patenteiem apenas uma experiência de campo, mas também que sirvam de uma base a uma Antropologia comparativa ou geral. Para conciliar estes objetivos, a maior parte dos antropólogos adota, nas monografias, um estilo amenizado de discurso: o documento quase nunca aparece sem tratamento e a especulação teórica é reduzida ao mínimo.
Sperber, Dan.O saber dos antropólogos. Lisboa: Edições 70.
(pp. 16-17)
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